quarta-feira, 28 de julho de 2010

A destruição do ensino técnico profissional I


Américo Henriques, o casapiano que se tornou mestre de relojoaria e durante anos denunciou os abusos do ex-motorista Carlos Silvino sobre as crianças da instituição, já não trabalha na Casa Pia. Reformou-se.

"Um dos maiores baluartes da Casa Pia – que era o seu ensino técnico profissional – foi arrasado", disse, em entrevista à agência Lusa, mestre Américo Henriques, durante décadas responsável pelo ensino da relojoaria no Colégio Pina Manique, em Lisboa.
Esta especialidade foi uma das mais reconhecidas e os seus formandos constantemente solicitados por grandes empresas estrangeiras, sobretudo suíças.

A mudança chegou após o escândalo de pedofilia na Casa Pia. "Ao abdicar de uma portaria própria que regulamentava os seus cursos, e ao seguir um modelo do Ministério da Educação, a Casa Pia nivelou os seus cursos – que eram reconhecidamente melhores que a grande maioria dos cursos que se ministram neste país – por baixo", acrescentou.
Actualmente a Casa Pia segue o modelo geral (Decreto-lei 74/2004) que, para o mestre Américo, é "um plano de estudos muito incipiente, do ponto de vista da valia das competências técnicas e profissionais, que os alunos da Casa Pia podiam antes adquirir e agora não podem, até porque não têm tempo para isso".

O especialista em relojoaria explica:
"O plano de estudos de um curso técnico profissional prevê hoje, para a componente de formação técnica, 1600 horas no total, das quais 420 para formação em contexto de trabalho. (…) Isso quer dizer que os alunos de relojoaria vão trabalhar com uma formação de 1180 horas, o que é ridículo."
"Isto não é ensino, é quase uma brincadeira", afirmou, acrescentando que esta foi a principal razão para ter abandonado a instituição onde se formou e formou milhares de alunos: "Foi por isso que, depois de explicar às instâncias superiores que aquele esquema não servia as necessidades de formação de relojoaria, e não só, me aposentei, pois vi que não conseguia ajudar a dar a volta. Se ficasse, tornava-me conivente com um processo que condeno em absoluto."

Mestre Américo lembra que, antes desta reestruturação, os formandos recebiam mais do dobro do tempo: "O número de horas com que hoje atribuem o título de técnico de relojoaria é o que, há uns anos, dava um título de aprendiz de relojoeiro".
"Não se podem fazer milagres (...) a relojoaria implica um processo de aquisição de competências ao nível da micromotricidade que é lento, moroso, tem de ser progressivo e para o qual hoje não há tempo que chegue, de maneira nenhuma."

Lamenta que "as maiores vítimas" desta reestruturação no ensino técnico profissional da Casa Pia sejam os formandos: "Eles são os primeiros enganados, mas o mercado do trabalho não se consegue enganar por muito tempo."
E mestre Américo Henriques termina exprimindo os seus receios de que os alunos da Casa Pia, que "hoje já não têm de maneira nenhuma a formação técnica que antes tinham", comecem a não ser aceites no mercado de trabalho.

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