Sendo reconhecido que são preocupantes os resultados dos exames nacionais 2011 do ensino básico, torna-se necessário descobrir as causas.
Relativamente ao exame de Matemática, cujo enunciado se encontra no website do GAVE, pode-se confirmar que as questões incidem sobre os conteúdos programáticos essenciais dos 7º, 8º e 9º anos, estão formuladas com correcção científica e clareza e os critérios de classificação não levantam dúvidas aos docentes que receberam uma boa formação científica em Matemática.
Portanto é preciso procurar as causas do insucesso na sociedade civil e, em particular, nas escolas.
1. A função dos professores não é substituir os pais
Num livrinho da escola primária vi uma imagem dos apóstolos com línguas de fogo a descerem do céu sobre as suas cabeças e uma inscrição: "O Espírito Santo desceu sobre os apóstolos e encheu-os de sabedoria."
Deslumbrei-me.
Perguntei à minha mãe, católica fervorosa que no dia do aniversário media a minha altura com velas para oferecer à Nossa Senhora, onde se adquiria as línguas de fogo da sapiência. Passou-me as mãos pelos cabelos.
O meu pai, ateu empedernido que saia de casa para o trabalho às sete da manhã e regressava às oito da noite mas ainda arranjava uma hora depois do jantar para ver os meus trabalhos da escola, respondeu: "Começa a ler em voz alta o texto do trabalho de casa e deixa-te de palavreado."
Lembrei-me deste episódio ao ler no artigo "Há uma obsessão pelos resultados nos exames e depois não se faz nada com eles para melhorar as aprendizagens" esta troca de comentários entre um professor e um encarregado de educação:
"Genericamente, os alunos que têm bons resultados são filhos de pais que se preocupam e exigem. Os que têm piores resultados têm pais que se demitem, entregam os filhos à escola e não querem saber."
E o que diz a Confap disto? "Dizer que as crianças têm de ir estudar para casa é uma irresponsabilidade, até porque a maior parte dos pais não tem o 9.º ano e, portanto, não os consegue acompanhar", descarta Albino Almeida, para quem "as escolas deviam começar por se organizar para, tal como na Finlândia, garantirem acompanhamento nas férias aos alunos que vão procurar, na segunda oportunidade, superar os maus resultados".
"Poder, podiam", contrapõe o presidente da ANDE, não fosse dar-se o risco de essas aulas ficarem vazias. "No período que mediou entre o fim das aulas e o início dos exames, houve todos os dias reforço a Português e a Matemática e os alunos simplesmente não apareciam."
Nem um milagre consegue substituir o estudo e a vontade de adquirir o conhecimento e é na família que isto se aprende.
2. A função dos professores é ensinar
Os professores têm, ou pelo menos devem ter, uma especialização de nível superior sobre os assuntos que ensinam. Embora os manuais tenham sido submetidos a avaliação nos últimos anos e haja uma melhoria na qualidade, são um apoio para o aluno, os professores não podem colar-se ao manual sob pena de sofrerem uma regressão cultural.
Há um par de meses, em conversa com o coordenador do departamento de Matemática e Ciências Experimentais, o colega confidenciou-me que o trabalho burocrático é tanto que todos os docentes só pensavam nas matérias que ensinam quando estão dentro da sala de aula.
Tentei que se apercebesse da gravidade da situação e fizesse algo de útil mas estava preso dentro de um sistema educativo que ele próprio ajudou a criar ao defender a política educativa socialista.
Resumidamente, o que se passa é que os docentes se transformaram
- em mangas de alpaca desperdiçando o seu tempo a preencher tabelas de avaliação, como esta:
- em animadores culturais desenvolvendo miríades de actividades, dentro e fora da escola, cujo ponto alto é a elaboração de um repolhudo relatório. Veja-se este exemplo de um dos quatro departamentos de uma escola e relativo a dois períodos do corrente ano escolar:
O que é aqui essencial? As olimpíadas, a visita ao planetário Gulbenkian, os testes do GAVE, o coastwatch e pouco mais. O resto é para docentes e discentes se dispersarem.
Estas tabelas e relatórios não têm outro préstimo, senão irem encher um dos inúmeros arquivadores que depois irão deliciar os inspectores que anualmente vêm avaliar a escola.
É certo que os resultados dos alunos nos exames nacionais são um dos parâmetros de avaliação, mas apenas um, entre muitos não essenciais que ocuparam o foco das atenções.
No escasso tempo restante é que os professores vão para a sala de aula debitar o manual e depois, nas reuniões dos conselhos de turma para avaliação dos alunos, decide-se o sucesso com base em critérios de avaliação que privilegiam a parte afectiva em detrimento dos aspectos cognitivos.
Mesmo no que respeita a observação de aulas pelos avaliadores — nomeados indirectamente pelo director através dos coordenadores de departamento e que, em geral, têm uma fraca formação científica na disciplina leccionada pelo avaliado — o importante não é, obviamente, o conteúdo da aula ou a maneira como o assunto é exposto.
O que importa são os impressos que avaliador e avaliado têm de preencher por cada aula observada.
O que importa é o powerpoint de planificação da aula com uma dúzia de diapositivos com conversa fiada sobre estratégias, reflexões e objectivos copiados do programa da disciplina, na ordem em que lá estão, mesma que não seja a mais adequada à exposição do assunto da aula.
O esboço da aula, que o professor que não debita manual faz durante a preparação da aula, com as noções que vai transmitir, os exemplos que vai dar e os exercícios de aplicação que vai propor aos alunos, e que exige a consulta de muitos livros e uma prolongada reflexão fora do espaço escola, não aparece em lado nenhum porque não é considerado importante.
Raros foram os docentes que se afastaram deste processo, cientes de que o País iria à falência com esta política educativa, e investiram em trabalho sobre os conteúdos programáticos do 5º ao 12º ano. Puseram em risco a sua avaliação e até a permanência na carreira se o partido socialista se tivesse mantido no poder até 2013.
O que os surpreende é que, apesar das escolas, nos últimos anos, se terem concentrado em actividades de entretimento e tarefas burocráticas com prejuízo grave do Ensino, os resultados obtidos pelos alunos nos exames nacionais ainda sejam tão bons.
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